A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do ensino médio, aprovada na terça-feira (4), vai mudar nos próximos anos a forma como o conteúdo é trabalhado nas salas de aula na última etapa da educação básica e vai influenciar até o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Entre críticas, alertas e expectativa, nove especialistas ouvidos pelo site G1 listam pontos positivos e negativos do documento. Nesta quarta (5), o Conselho Nacional de Educação (CNE) divulgou a íntegra do documento, que ainda está sob revisão e deverá ser submetido ao Ministério da Educação para ser homologado. Segundo o MEC, ainda não há data para esta homologação. Confira abaixo a opinião de especialistas em educação:
1- Alice Ribeiro, secretária executiva do Movimento pela Base
"Essa base traz uma inovação importante que também se configura como um desafio, que é se concentrar por área do conhecimento, e não por disciplina, e por não se organizar ano a ano. Essa inovação foi inclusive solicitada pelos estados, mas traz o desafio extra de implementação e construção de currículos, contextualizando a realidade das redes [estaduais de ensino]." "É importante que as políticas indutoras tenham continuidade, para que estados e municípios contem com recursos técnicos e financeiros para fazer este trabalho, e que mais ações e programas na área da educação façam mais pela base: como a formação de professores, as avaliações e os recursos didáticos."
2- Cesar Callegari, sociólogo, ex-presidente do conselho da BNCC do CNE
"A base não pode ser discutida de maneira dissociada da reforma do ensino médio. A questão da obrigatoriedade de português e matemática ao longo dos três anos, o tamanho que a base pode ocupar nos currículos e a questão dos itinerários, isso tudo é uma conversa só. A forma como o documento desta etapa foi organizado permite que as redes tenham muita autonomia na decisão sobre o formato do currículo que elas vão construir: se quiserem destrinchar tudo que tem ali em um modelo mais tradicional, por disciplina, e estabelecer isso ano a ano de forma casada com itinerários, elas podem. O que foi feito foi criar condições e uma maior possibilidade de organização curricular e de proposta de ensino e aprendizagem. A proposta só detalha conteúdo de matemática e português. Todas as outras disciplinas ficam diluídas nas demais áreas de conhecimento, sem que fique claro o que deve ser ensinado e o que deve ser aprendido.”
3- Chico Soares, conselheiro do CNE
"Supostamente, é para abrir espaço para os itinerários formativos, que são escolhas dos estudantes para complementar a aprendizagem. O problema é que a base, como foi criada dentro do Plano Nacional de Educação, deve ser a definidora dos planos de aprendizagem. Mas [o texto] não define direitos e não cria obrigações. Dentro da precariedade das escolas brasileiras, vai significar uma espécie de isenção de responsabilidade de oferta de educação. É um espaço vazio que desobriga escolas e redes de ensino de oferecer a qualidade dos conteúdos necessários. As disciplinas são a estrutura sobre a qual é feita toda a formação dos estudantes de educação básica. No entanto, as disciplinas, ao mesmo tempo, que criam uma necessária âncora, podem também ensejar um ensino descolado das necessidades da vida dos estudantes. Buscar uma solução para este problema era função da proposta que o executivo enfiou ao CNE. Constato que, neste ponto, a proposta não atende a estas expectativas."
4- Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
"A manifestação de vários grupos da sociedade brasileira sobre a necessidade de contemplar as disciplinas no projeto deveria impactar mais as decisões do CNE. Há razões epistemológicas que as sociedades científicas evidenciaram, há as limitações da formação dos atuais professores, que os gestores apontaram. Há os argumentos sindicais e jurídicos sobre os contratos de trabalho dos professores. Há os motivos teóricos que os sociólogos do currículo como Michael Young registram na sua produção cientifica. Há a comparação internacional, onde se percebe a presença das disciplinas de forma clara, ainda que de múltiplas maneiras. Há as considerações do projeto 2030 das Nações Unidas e literatura que mostra as múltiplas maneiras de tratar este problema que é geral. Entre tantos autores, cito David Perkins, professor da Faculdade de Educação de Harvard. Não me parece adequado nem prudente que todos estes argumentos sejam simplesmente desconsiderados. Entendo que o CNE ao aprovar um texto que desconhece todas estas ponderações perde uma oportunidade importante de indicar um caminho que permitiria uma organização mais adequado do ensino médio brasileiro."
5- Eduardo Deschamps, presidente da comissão da BNCC
"A BNCC é uma política típica do governo Temer: para resolver um problema - a crise do ensino médio - a ação governamental é gerar o caos. E o ambiente caótico facilita a emergência de soluções privadas. É preciso que redes e escolas públicas, pelo bem da educação, assumam a tarefa de superar a BNCC."
6- Fernando Cássio, professor da UFABC e pesquisador na área de políticas educacionais
"A base, como as DCNs [diretrizes curriculares nacionais], são referenciais de currículo. O que vai fazer impacto mesmo é a reelaboração dos currículos e das propostas pedagógicas pelas redes, tendo como referência tanto a base quanto as próprias diretrizes curriculares nacionais. A BNCC não fará nada diferente do que as atuais políticas de centralização curricular e as avaliações em larga escala já fazem: engessar práticas pedagógicas e ferir a autonomia profissional dos professores – sem com isso produzir grandes diferenças nos indicadores de fluxo e proficiência em que os defensores da Base se apoiam."
7- Heleno Araújo, presidente do Conselho Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)
"Proclamar que a BNCC realiza a igualdade educacional no Brasil equivale a dizer que a Constituição realiza o direito à educação só por inscrevê-la no texto da lei. No caso do ensino médio, a BNCC, em associação com a arquitetura curricular propugnada pela reforma da Lei n. 13.415/2017, significará exatamente o contrário da promessa liberal dessas políticas. Tem mais liberdade de escolha quem pode mais."
8- Monica Ribeiro da Silva, professora da UFPR e porta-voz do Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio
"É uma base que exclui, que não se comunica com a realidade do ensino médio no Brasil. Não estabelece uma política pública de educação, não coloca quem está fora da escola para dentro. Como posso ampliar a carga horária sem ampliar a rede? São muitos os problemas que cercam a BNCC do ensino médio. Desde o processo, sem ampla participação e marcado por cinco audiências públicas conturbadas, com mais de 80% das falas sendo de críticas, até o texto propriamente dito, que retoma um discurso empoeirado dos anos 90: a problemática organização com base em prescrição de competências, que retira a centralidade do conhecimento escolar. Igualmente problemático é a insistência em hierarquizar ainda mais as áreas, com esse nefasto equívoco de conferir ênfase apenas à língua portuguesa e à matemática, num mundo em que até mesmo a produção científica se volta para formas menos hierarquizadas, e em que perspectivas de interdisciplinaridade preservam os objetos de estudo e ao mesmo tempo os integra e produz novos objetos. Os grandes prejudicados são os mais de seis milhões de jovens que estudam em escolas públicas, muitas delas em condições precárias. O país vive a falácia de que basta mudar o cenário curricular para melhorar a qualidade da educação. No fim, é apenas mais um engodo.”
9- Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos pela Educação
"Os estados agora têm uma tarefa muito importante, que é, à luz dessa nova Base Nacional Comum Curricular do ensino médio, produzir os currículos estaduais. (...) A gente tem uma crise de aprendizagem gigantesca no ensino médio que a gente precisa resolver. E agora, com a reforma do ensino médio, e com a Base Nacional Comum Curricular do ensino médio, é possível a gente dar passos mais largos."
Fonte: G1
Finalidade: Educacional