MANIFESTO DO CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE BELO HORIZONTE SOBRE O PROJETO DE LEI “ESCOLA SEM PARTIDO”

Aprovado em Sessão Plenária Ordinária de 29 de novembro de 2019.

 

O Conselho Municipal de Educação de Belo Horizonte (CME-BH), instituído pela Lei Municipal nº 7.543, de 30 de junho de 1998, vem a público manifestar-se acerca do Projeto de Lei 867/2015, denominado “Escola Sem Partido”, assim como externar seu repúdio em relação às denúncias sobre a coação, gravação e intimidação de professores no exercício de sua atividade docente, com o objetivo de produzir versões descontextualizadas e intimidatórias sobre seu livre e constitucional exercício de cátedra.

CONSIDERANDO que os artigos 205 e 206 da Constituição Federal de 1988 (CF/88) estabelecem que a educação visa ao pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania, tendo por princípios a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e que, ainda, em seu artigo 206, define o direito de cátedra consagrado em seu caráter da liberdade (inciso II), do pluralismo de ideias (inciso III) e da gestão democrática (inciso VI), além da competência dos entes federados no acesso à cultura, educação e à ciência (artigo 23, I e V, CF 88);

CONSIDERANDO que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96, que, no artigo 1º, versa sobre a aprendizagem como processo formativo que se respalda no reconhecimento da diversidade dos atores sociais dela imbuídos; que, no artigo 3º, reafirma que o ensino será ministrado com base nos princípios da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; respeito à liberdade e apreço à tolerância. Nos incisos I e IV, do art.12, dispõe que “os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica”, do mesmo modo “velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente”, que confere autonomia às unidades escolares em relação aos Projetos Políticos Pedagógicos e aos docentes na elaboração do próprio plano de trabalho, sob os parâmetros legais;

CONSIDERANDO que, dentre as diretrizes do Plano Nacional de Educação (Lei nº 13.005/2014), contidas no artigo 2º da lei, está a superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação;

CONSIDERANDO as Ações Diretas de Inconstitucionalidade ADI 5537 e ADI 5580 que, em medida cautelar, o relator, Ministro Roberto Barroso, suspendeu em sua integralidade as leis sobre o tema no Estado de Alagoas por vícios formais (violação à competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, com fulcro no art. 22, XXIV, e descumprimento do art. 24, IX, § 1º da CF/88) e vícios materiais (afronta ao pluralismo de ideias e “violação do direito à educação com o alcance pleno e emancipatório que lhe confere a Constituição. Supressão de domínios inteiros do saber do universo escolar. Incompatibilidade entre o suposto dever de neutralidade, previsto na lei, e os princípios constitucionais da liberdade de ensinar, de aprender e do pluralismo de ideias , conforme arts. 205, 206 e 214 da CF/88”;

CONSIDERANDO o posicionamento unânime do Supremo Tribunal Federal (STF) na votação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ADPF 548, em sessão plenária do dia 31/10/2018, na defesa enfática da liberdade de expressão, da autonomia universitária e da liberdade de cátedra. A decisão suspendeu, com efeito vinculante e de eficácia para todos, os atos judiciais ou administrativos emanados de autoridade pública que possibilitem, determinem ou promovam o ingresso de agentes públicos em universidades públicas e privadas; o recolhimento de documentos; a interrupção de aulas, debates ou manifestações de docentes e discentes universitários; a atividade disciplinar docente e discente e a coleta irregular de depoimentos desses cidadãos pela prática de manifestação livre de ideias e divulgação do pensamento nos ambientes universitários. Essa decisão está em consonância com a jurisprudência reiterada do STF de defesa da liberdade de manifestação do pensamento e de comunicação, também de proteção ao direito da liberdade de expressão insculpido art. 5º, inciso IX, da Constituição Federal/88;

CONSIDERANDO que a Nota Técnica 01/2016 PFDC do Ministério Público Federal, da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, diz que o referido PL 867/2015 “subverte a atual ordem constitucional, por inúmeras razões: (i) confunde a educação escolar com aquela que é fornecida pelos pais, e, com isso, os espaços público e privado; (ii) impede o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas (art. 206, inciso III); (iii) nega a liberdade de cátedra e a possibilidade ampla de aprendizagem (art. 206, inciso II); (iv) contraria o princípio da laicidade do Estado, porque permite, no âmbito da escola, espaço público na concepção constitucional, a prevalência de visões morais/religiosas particulares (...) e mais grave, o PL está na contramão dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, especialmente os de "construir uma sociedade livre, justa e solidária" e de "promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".

CONSIDERANDO manifesto deste Conselho Municipal de Educação de Belo Horizonte sobre o Projeto de Lei 867/2015 “Programa Escola Sem Partido”, aprovado em Sessão Plenária Ordinária de 30 de junho de 2016, que repudia e pede o arquivamento do PL, entendendo que o conteúdo do Projeto de Lei é contraditório, fere princípios constitucionais e sua aprovação representaria retrocesso para a educação nacional, diz ser necessário reafirmar a importância do papel do professor na formação do aluno enquanto cidadão e garantir a liberdade de ensinar e aprender;

CONSIDERANDO recomendação conjunta do Ministério Público Federal e do Ministério Público de Minas Gerais Nº 71/2018 e Nº 73/2018 às Instituições Públicas de Educação Superior, à Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais e à Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte para evitar intimidações e ameaças a professores e alunos, motivadas por divergências, assim como manifestações atentatórias à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber e o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. Essas relevantes instituições da República saem em defesa da liberdade de cátedra como princípio fundante de uma educação democrática, que não compactua com atos de assédio moral e intimidação de professores, ou qualquer ameaça que represente censura direta ou indireta a direitos constitucionalmente garantidos;

O Conselho Municipal de Educação de Belo Horizonte reitera seu posicionamento na veemente defesa da liberdade de expressão, respeito à diversidade, aos direitos humanos e aos valores democráticos e repudia todas e quaisquer iniciativas que atentem aos direitos fundamentais de liberdade de manifestação do pensamento, de expressão e da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação; compreende a escola com espaço de formação humana do conhecimento, em seu sentido mais amplo, que não se agasalha apenas no caráter informativo, mas primordialmente de formação de ideias livres e plurais, à luz dos ditames legais, com o ensino pautado na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, no debate, no contraditório e na educação crítica em sala de aula; defende que liberdade de pensamento e expressão não é mera liberalidade e concessão do Estado, mas um direito inalienável do indivíduo, em que a construção de uma sociedade livre não se faz sem liberdade de expressão, de comunicação, de informação, mostrando-se inaceitável qualquer deliberação estatal, seja ela executiva, legislativa ou judicial, cuja execução importe em controle da expressão e pensamento crítico, com o consequente comprometimento da ordem democrática.

O Conselho Municipal de Educação de Belo Horizonte torna público seu posicionamento contrário ao Projeto de Lei “Escola Sem Partido”, por entender que o mesmo representa grave ameaça aos direitos constitucionais fundamentais e contraria todo um arcabouço jurídico normatizador da educação no país. Manifesta-se pela defesa da escola democrática, que envolva a participação dos pais, alunos, professores e todos os membros da comunidade escolar. Ressalta-se seu compromisso na construção de espaços democráticos que reflitam o pluralismo da sociedade, assegurando o debate e o compromisso por uma educação afinada com os princípios constitucionais que regem o país.