Tema pouco debatido, a educação sexual no Brasil é cheia de conservadorismo e tabus. Um estudo feito pela Federação Internacional de Planejamento Familiar mostrou que, comparado com outros países da América Latina, o Brasil fica na lanterninha quando o assunto é a introdução do tema no currículo educacional. A socióloga Jacqueline Pitanguy, da ONG Cepia, instituição local parceira da pesquisa, acredita que a falta de legislação é um dos motivos para essa situação. "Não sendo obrigatório, fica muito a mercê, porque não há a obrigatoriedade com um currículo devidamente aprovado, feito por especialistas. Na realidade, o que se vê no Brasil é que são pouquíssimos os cursos que tratam efetivamente de educação sexual e de reprodução. Você pode ter através da biologia, mas não como uma matéria em si. Porque é muito mais do que o funcionamento biológico do corpo, a educação sexual tem a ver com cidadania, com direitos humanos", diz. 

A pesquisa comparou Argentina, Colômbia, Chile, México e Brasil em aspectos relacionados ao planejamento familiar e ao acesso das mulheres a métodos contraceptivos e concluiu que, em todos os países, a forte influência religiosa pode afetar o desenvolvimento de políticas relacionadas a contraceptivos, mas que, no Brasil, isso ocorre de forma mais intensa. "Um dos fatores é a influência cada vez maior dos setores religiosos, no caso do Brasil são basicamente setores cristãos, evangélicos ou católicos, e que efetivamente têm direitos políticos. Não todos, mas uma grande parcela desses religiosos não é favorável a esse estudo nas escolas", acredita Jacqueline. Na pesquisa, Argentina foi o país com o resultado mais satisfatório pois possui um programa completo de educação sexual em suas escolas.

A psiquiatra e criadora do Programa de Estudos em Sexualidade da Universidade de São Paulo (USP), Carmita Abdo, defende que  os ensinamentos sobre o tema devem começar em casa, de forma gradativa. "A melhor educação é aquela que se desenvolve na família e que consegue acompanhar o interesse da criança pela sexualidade e as respostas devem ser as mais acessíveis possíveis para cada faixa etária", diz. Entretanto, isso não é comum pois muitos pais não se sentem à vontade ou mesmo habilitados para falar sobre isso. Assim, as escolas passam a cumprir este papel. "Na medida em que não existe educação sexual na família, então caberá a escola essa tarefa que é muito importante no desenvolvimento da criança, quando ela começa a entrar em contato com a sua sexualidade, com o interesse pelo corpo, pelas funções de cada órgão, entre eles, os órgãos sexuais", explica a psiquiatra, que diz que o interesse pela sexualidade começa a partir dos três anos de idade.

O problema é que, sem diretrizes, essa educação pode ocorrer de maneira não tão satisfatória. "Há vários problemas. A maioria dos professores não é preparada para transmitir essa educação a seus alunos, infelizmente. Eu parabenizo os professores que, num esforço supremo, acabam arcando com essa responsabilidade, que, se não é fácil para os pais, também não vai ser para os professores. Em segundo lugar, geralmente essa educação é dada em classes que separam meninas e meninos, o que já começa dando a impressão de que há coisas que uns devem saber e outros não", exemplifica a especialista.

Outros pontos de melhoria apontados pela psiquiatra são os métodos. Numa aula de educação sexual, geralmente os alunos não fazem perguntas diretas, e sim anotam num papel sua questão sem se identificarem, o que perpetua a ideia de que falar sobre sexo é algo constrangedor. Justamente por causa dessa ideia, as aulas focam muito na questão biológica e pouco falam sobre comportamento.

A socióloga Jacqueline ainda acrescenta que, muitas vezes, há o "julgamento moral" que dificulta tanto a educação sexual quanto, posteriormente, o uso de métodos contraceptivos. "Também há a questão moral, e não pode ter questão moral, tem que pensar apenas na saúde pública", diz. Uma regulamentação deste ensino, portanto, traria diversos benefícios para o País pois, quando bem aplicada, a educação sexual só gera vantagens. "Sempre preciso dizer que a educação é o melhor contraceptivo", conta Jacqueline. Ela acredita que um dos resultados da educação sexual é a diminuição da gravidez na adolescência e das doenças sexualmente transmissíveis. "As jovens desconhecem seus direitos sexuais, seus direitos reprodutivos, elas não têm acesso suficiente a informação", comenta.