O que esperar de um Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) sob nova direção? A ansiedade de fazer uma prova que é a porta de entrada para as principais universidades do país ganhou um ingrediente adicional neste ano: a mudança de governo. Dias após ganhar a eleição de 2018, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) criticou uma das questões do exame, que mencionava um dialeto usado por gays e travestis, e afirmou que sua gestão iria “tomar conhecimento da prova” antes da aplicação. Em março, o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), responsável pelo exame, nomeou uma comissão para fazer uma análise ideológica das questões. O resultado não veio a público. Diante disso, o que virá no exame dos próximos dia 3 e 10 de novembro? A pergunta tem circulado em cursos preparatórios. Se há uma boa notícia em não se saber exatamente a resposta, é esta: “Será uma surpresa para todo mundo, portanto todos os candidatos estão na mesma situação”, diz Marcelo Pavani, diretor do Oficina do Estudante.
De modo geral, professores têm apostado que, se houver mudança, será na ausência de alguns temas. Eles recomendam, no entanto, que os alunos não mudem sua atitude diante da prova. “É a primeira vez que comento Enem em que, em vez de pensar no que vai cair, penso no que não vai”, diz Giba Alvarez, diretor do Cursinho da Poli. Ele acha possível que a triagem feita pela comissão do Inep tenha retirado questões sobre temas como direitos LGBT+ e feminismo. Como esses assuntos apareciam nos textos de base das perguntas, e não eram o objeto em si das questões, para o candidato não muda muita coisa, diz Claudio Pinheiro, coordenador de processos de avaliação acadêmica do Colégio Bandeirantes. “O exame avalia competências, não os temas dos textos das questões.” Tomando-se como exemplo a questão sobre o dialeto gay, ela não exigia conhecimento sobre o assunto em si, mas sim sobre linguagem e interpretação de texto.
Também é importante lembrar que a Matriz de Referência do Enem não mudou, ou seja, a prova deve exigir as mesmas competências que exigia antes. Se a comissão do governo Bolsonaro pode ter subtraído questões, a adição de novas perguntas é um processo mais difícil. Isso porque cada pergunta, no Enem, percorre um longo caminho entre ser formulada e ser impressa em uma prova. A própria elaboração da questão leva tempo, pois cada uma é feita, discutida e refeita entre os professores elaboradores, explica José Francisco Soares, docente da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e presidente do Inep de 2014 a 2016. Depois, a questão passa por um chamado “pré-teste”, com grupos menores de alunos, para verificar o grau de dificuldade, entre outros fatores. Isso é necessário porque o Enem adota uma metodologia que permite que os resultados sejam comparáveis ano a ano.
Com isso, explica Soares, o processo na sua gestão levava ao menos dois anos, e era feito sempre sob acompanhamento de funcionários do Inep. “A sociedade pode confiar na excelência destes servidores”, afirma. Já a elaboração do tema de redação é algo que, sim, pode ter sido feito na atual gestão. Entre os temas que cursinhos apostam que pode cair estão mobilidade urbana, movimentos antivacina, segurança pública ou algo mais alinhado aos novos tempos, como identidade nacional. A mudança de governo em si, porém, não deve alterar a forma como o aluno faz a redação, afirmam os professores. Isso porque a Matriz de Referência se mantém, assim como o esquema de correção. Livros com os novos temas possível de serem abordados na prova do enem (arma de fogo, maconha, feminismo, diversidade sexual, religião...)
Cada texto passa por pelo menos dois avaliadores. Se a divergência for muito grande, vai para um terceiro e, se permanecer, o texto é então submetido a uma banca com três outros professores.
O caráter técnico da correção não significa que o aluno possa dar qualquer opinião política sem base. Ela tem que estar conectada com a proposta de texto dissertativo. “A tendência em todo ano é que uma redação recheada de opiniões sem argumentação não tenha boa nota”, diz Giba. “A orientação é fazer o feijão com arroz bem feito”, diz o coordenador do Bandeirantes. “Pega o que tem na proposta, os gráficos e textos de referência, e agrega o seu repertório.” Quem achar que pode escrever textos discriminatórios a minorias porque se tornaram comuns críticas ao politicamente correto também pode se dar mal. Coordenador de linguagens do curso Anglo, Sergio Paganim lembra que foi mantida na cartilha do exame a competência do aluno de “elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos”. Quem ferir o esperado perde 200 pontos.
Fonte: Folha.com
Finalidade: Educacional