Artigo de Fernanda Mena

O vaivém nas decisões do Ministério da Educação, que suspendeu por dois anos a avaliação do ensino básico para voltar atrás na decisão, 24 horas depois, é coerente com a dificuldade do Estado brasileiro em priorizar um setor estratégico para o desenvolvimento. Cancelar um exame que acompanha o desempenho dos estudantes brasileiros combina com o perfil anti-intelectual da atual administração, que parece privilegiar crença no lugar de ciência, ou seja, métricas e avaliações são de pouca serventia. A questão, no entanto, extrapola o governo em exercício, porque evidência a falta de um projeto educacional para o país. Os resultados de exames nacionais e internacionais têm demonstrado seguidamente que o desempenho dos estudantes brasileiros é muito fraco, ainda que tenha melhorado entre alunos dos primeiros anos do ensino fundamental.

​Relatório de 2018 do Banco Mundial sobre aprendizado dá a dimensão do nosso atraso. Ainda que tenha havido progresso nas habilidades de brasileiros de 15 anos, o ritmo de melhoria é tão lento que eles levarão 75 anos para alcançar o mesmo desempenho em matemática de seus pares de países ricos. Em leitura, o quadro é ainda pior: os estudantes do país podem demorar 260 anos para atingir o patamar dos jovens de nações desenvolvidas. Fugir de comparações não traz alívio. Dados da última avaliação do Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), de 2017, apontaram que o desempenho dos estudantes do ensino médio das redes públicas estaduais caiu em matemática (pela quarta vez consecutiva) e em língua portuguesa.

Nos últimos dez anos, a proficiência dos alunos do ensino médio em matemática piorou e, em língua portuguesa, se manteve estável em sua miséria. Ou seja, se sabemos há pelo menos dez anos que a coisa vai mal, e ela continua mal, é porque a reação do Estado a estas avaliações, ao sabor do governo da vez, foi incapaz de produzir políticas públicas à altura do desafio que esses diagnósticos escancararam. Sem grande efeito, as avaliações se tornaram inconvenientes --um estorvo a atrapalhar nossos devaneios de gigantismo. Afinal, são essas crianças e esses jovens mal formados que farão a economia brasileira girar nas próximas décadas. E, se o Brasil é lanterna na principal avaliação internacional da educação básica, o Pisa, não dá pra dizer que não fomos avisados da nossa desvantagem na bolsa global de futuros 

Estudo da Universidade de Sussex, no Reino Unido, atesta novamente a nossa tragédia ao mesmo tempo em que aponta um caminho. Realizada em parceria com o National Institute of Economics and Social Research, a partir de dados de 35 países, a pesquisa encontrou uma correlação entre a valorização dos professores e o desempenho dos estudantes em avaliações internacionais, e desenvolveu o Índice Global do Status do Professor. Adivinha quem é o último colocado do ranking de valorização do professor? Acertou, Brasil. Dados da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) para 40 territórios apontam que o salário médio anual dos professores brasileiros (US$ 13,9 mil) é o quarto pior do grupo, perdendo, por pouco, para Letônia (US$ 12,9 mil), Lituânia (US$ 12,5 mil) e Eslováquia (US$ 12,7). Ainda assim, está muito abaixo daquele pago a professores do Chile (US$ 23,4 mi), de Portugal (US$ 32,8 mil) e da Austrália (US$ 41,7 mil).

Não à toa, apenas 2,4% dos jovens brasileiros de 15 anos querem ser professores, segundo pesquisa da OCDE. Dez anos atrás, o índice era de 7,5%. Os mais interessados no magistério são justamente aqueles com as piores notas no Pisa. Alguém acha que isso vai dar certo?

Somos a oitava economia do mundo. O gasto em educação do Brasil  (5,5% do PIB) é similar ao gasto médio dos países membros e parceiros da OCDE (5% do PIB). Mas o gasto médio anual por aluno é bem mais revelador: US$ 3.800 no Brasil contra US$ 9.400, em média, entre países membros e parceiros da OCDE. O Brasil agora aspira se juntar a este grupo, espécie de elite das nações, com um empurrãozinho do presidente norte-americano Donald Trump. Apenas neste texto foram citados três dos muitos estudos da OCDE sobre educação, o que evidencia o peso dado a este setor quando o assunto é desenvolvimento econômico. Cancelar a avaliação da educação básica é estratégia fácil para dar sobrevida ao ufanismo nacionalista. Encarar seus próximos resultados com o compromisso que eles demandam é a tarefa que já não pode mais esperar.